O Código Civil brasileiro pode passar pela maior reformulação desde sua promulgação em 2002. Entre os principais pontos da proposta em debate no Congresso Nacional está a incorporação de regras específicas para o universo digital, algo completamente ausente no texto atual, além de mudanças relevantes na estrutura de herdeiros legais, que incluem a exclusão do cônjuge da lista de herdeiros necessários.
A proposta surge da constatação de que o atual Código Civil, originado de um projeto dos anos 1960, não contempla qualquer dispositivo voltado para a realidade digital. Questões como herança de bens digitais — que incluem contas em redes sociais, arquivos armazenados em nuvem, milhas aéreas e ativos digitais — hoje não têm respaldo legal específico.
Herança digital: o que muda
Com a proposta de reforma, o Brasil caminha para criar regras mínimas que ofereçam segurança jurídica na gestão da chamada “herança digital”. O texto diferencia dois tipos de bens digitais:
Bens patrimoniais digitais: São os que têm valor econômico direto, como milhas aéreas, carteiras virtuais, criptomoedas ou contas monetizadas. Estes bens passarão a ser tratados como qualquer outro patrimônio, como imóveis ou veículos, e deverão ser distribuídos aos herdeiros conforme a legislação tradicional.
Bens personalíssimos digitais: São dados de natureza íntima, senhas, conversas e informações de uso estritamente pessoal. Para esses, o projeto estabelece proteção especial, considerando a vontade do falecido e a privacidade de terceiros.
Cônjuges e companheiros:
Outro ponto polêmico da proposta é a exclusão do cônjuge da lista de herdeiros necessários — que atualmente inclui pais, filhos e o próprio cônjuge. Com a mudança, o cônjuge ou companheiro continua como herdeiro legítimo, mas deixa de ter direito garantido à reserva de 50% da herança (a chamada “legítima”), o que pode alterar significativamente a divisão de bens.
Essa alteração também busca resolver o excesso de judicializações envolvendo a chamada “concorrência sucessória”, quando há disputa entre companheiros e filhos sobre o mesmo espólio. A experiência das últimas duas décadas mostrou que o tratamento atual tem travado inúmeros processos de inventário, criando insegurança jurídica e sobrecarregando o Judiciário.
Distribuição dos bens digitais: regras seguem as da herança tradicional
Apesar da natureza imaterial dos bens digitais, a distribuição seguirá as mesmas regras dos bens tangíveis, como imóveis e carros. A única exceção se refere aos dados e conteúdos personalíssimos, que poderão ter restrições de acesso e transmissão, sempre respeitando a vontade do falecido — quando expressa — e princípios constitucionais de privacidade.
O que vem a seguir
A proposta foi elaborada por uma comissão de juristas nomeada pelo Senado e agora segue para debate no Congresso Nacional. A expectativa é que, com a crescente digitalização das relações humanas e patrimoniais, o Brasil finalmente insira no Código Civil dispositivos que reflitam a realidade contemporânea — e que tragam mais clareza tanto para os cidadãos quanto para o sistema de Justiça.