Foi pelo olho da câmera que o jornalista do A TARDE Valter Lessa viu Pelé pela primeira vez, em 1957. Naquela época, o jovem de 15 anos ainda não era o Rei do Futebol. Ele estava com a delegação do Santos no Palace Hotel, em Salvador, prestes a vencer o Bahia por 2 a 1, em amistoso, no dia 22 de agosto daquele ano. Lessa aproveitou para tirar uma foto do jogador com Nino Guimarães, assessor de imprensa do hotel (confira abaixo os momentos mais marcantes da carreira e da vida da majestade do futebol).
O colunista só voltaria a ter contato com o menino rei uma única outra vez: antes da Copa do Mundo de 1958, em Recife (PE). Segundo conta, “era uma Seleção desacreditada. Eu fui o único presente no embarque, além dos jornais locais. Nem o presidente da Confederação de Futebol compareceu. Entrevistei os 22 jogadores de 58”. Após o título contra a Suécia, com um Pelé de 17 anos vencendo o prêmio de melhor jogador da competição, o mundo inteiro estava esperando.
Nesta sexta-feira, dia 23 de outubro de 2020, o Rei do Futebol completa 80 anos, e o baiano pode dizer que por aqui ele tem muita história para contar.
Foto: Twitter Santos FC | ReproduçãoO Rei na Bahia
O Atleta do Século jogou por aqui 16 vezes: nove contra o Bahia, duas contra o Vitória, uma contra o Galícia e quatro contra a seleção baiana. Foram nove vitórias, três empates e três derrotas. Atuou por Santos, Seleção Brasileira e seleção paulista, marcando seis gols. Um deles, inclusive, na segunda partida da final da Taça Brasil de 1959. O Bahia levantou o troféu daquela edição, se tornando o primeiro campeão brasileiro da história, mas o Santos venceu o único jogo disputado em Salvador, por 2 a 0, com atuação magistral de Pelé.
No retrospecto geral contra o Esquadrão na Fonte, o Rei venceu cinco vezes, empatou três e perdeu apenas uma. Contra o Vitória, só atuou em três partidas, sendo duas na Bahia. Não marcou gols no Leão e perdeu ambas: 1 a 0 em 1972 e 2 a 0 em 1973.
O sentimento do torcedor do Bahia, porém, não é de tristeza pelo fraco histórico contra o Atleta do Século. A intenção do torcedor era ver Pelé jogar. “Toda jogada dele no dia que eu fui, a torcida aplaudia. Bahia perdeu, mas ninguém ligou”, lembra Kléber Leal, torcedor fanático do Tricolor.
Quase...
A história que corrobora com isso é a do ‘quase gol mil’ de Pelé, no dia 16 de novembro de 1969, na Fonte Nova. Com 999 gols marcados, o Rei veio à Bahia e podia ter alcançado a marca histórica no estádio. No entanto, ao driblar o goleiro Jurandir e tocar para o gol, o zagueiro Nildo ‘Birro Doido’ apareceu para impedir a celebração de Pelé.
“Infelizmente, o público baiano esqueceu de avisar à defesa do Bahia para deixar. O rapaz tirou de dentro, a última bateu na trave, é porque não era para sair mesmo”, disse Pelé, ao final do jogo, em entrevista ao jornalista Martinho Lélis, que disponibilizou o áudio para a reportagem.
De acordo com o historiador Normando Reis, torcedores do Bahia presentes no estádio vaiaram Nildo. O gol mil saiu no jogo seguinte, contra o Vasco, no Maracanã.
Baiaco Seleção?
Sim. Pelé fez campanha para que o ídolo tricolor Baiaco fosse convocado para a Seleção Brasileira. “Joguei aqui várias vezes e ele foi o Baiaco de sempre. Veloz, firme na marcação e perfeito na posição. E tem mais, joga com amor à camisa que veste”, disse o Rei, no Restaurante Iemanjá, na Boca do Rio, a jornalistas. Martinho Lélis era um dos presentes.
A campanha, entretanto, não funcionou, e o volante não vestiu a camisa canarinho. Ainda assim, foi heptacampeão baiano. Outro astro daquele time do Bahia, o meia Douglas contou ao A TARDE que Pelé teve sua parcela de ‘culpa’ pela sequência de títulos.
“Para jogar do lado do Pelé você tem que saber jogar. O que eu fazia no Bahia, nós fazíamos na divisão de base do Santos”
Douglas, ídolo do Esquadrão
Desde a base do Santos o ex-jogador conta que o Rei do Futebol frequentemente o aconselhava. “Estava sempre solícito quando a gente perguntava algo. Para jogar do lado do Pelé você tem que saber jogar. Eu estava começando, e a gente jogava muito sem a bola. O que eu fazia no Bahia, nós fazíamos na divisão de base do Santos. Por isso que tivemos sucesso”, contou.
“A impressão é que ele estava na Fonte Nova, mas deve ter sido realizado no Olimpo, para as divindades, e transferido para a Terra”
Paulo Leandro, jornalista e historiador
A última partida de Pelé na Fonte Nova ocorreu no dia 29 de agosto de 1973. Na ocasião, o Santos perdeu para o Vitória por 2 a 0. O historiador Paulo Leandro estava na arquibancada. “Temos a impressão de que ele estava na Fonte Nova, mas deve ter sido realizado no Olimpo, para as divindades, e transferido para a Terra”, afirma.
Naquele dia, o Rei do Futebol sofreu com a zaga do Leão, formada por Válter, Leléu e França. ”Os nossos zagueiros pediam para não sair. Diziam ‘fica aqui, senão é passeio’”, lembra o atacante Osni, estrela rubro-negra à época. Segundo ele, “havia até torcedores do Bahia no estádio, para ver o espetáculo”.
Polêmicas
Visto como ídolo e reverenciado pelo mundo, Pelé também tem uma trajetória recheada de polêmicas, dentro e fora das quatro linhas. Uma delas é não ter se posicionado contra a ditadura. “O Brasil é um país liberal, uma terra de felicidade. Somos um povo livre. Nossos dirigentes sabem o que é melhor para nós e nos governam com tolerância e patriotismo”, disse o jogador ao jornal uruguaio La Opinión, em 1972, segundo o Instituto Vladimir Herzog.
Dentro de campo, ficou famosa a história do zagueiro Procópio Cardoso, do Cruzeiro. Em um jogo em 1968, ele e Pelé dividiram uma bola e, após ganhar, Procópio driblou o Rei. Diante do fato, o camisa 10 do Santos foi direto no joelho do adversário. Segundo matéria do UOL, os ligamentos se romperam, e o zagueiro ficou 1.869 dias sem jogar.
Após se aposentar, também houve problemas. Em 1996, Sandra Regina Machado entrou com um processo na Justiça para ser reconhecida como filha de Pelé. Os dois travaram batalha judicial até 1996, quando o exame de DNA deu positivo. Sandra, que morreu em 2006 de câncer de mama, nasceu de um caso do Rei com Anísia Machado. Ele não compareceu ao enterro.
Hoje, o Rei vive seu tempo preocupado com a saúde. Seu quadril já passou por três cirurgias, e um dos rins ele já não possui mais. Sua meta é ir à Copa do Mundo de 2022, e depois ficar com sua família.
Fato é que neste 23 de outubro o Brasil comemora 80 anos de Pelé. E para o bem ou para o mal, o Tempo Rei será interminável, e tudo permanecerá do jeito que tem sido. Transcorrendo. Transformando. Tempo e espaço navegando em todos os sentidos.
*Sob supervisão do editor Daniel Dórea