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EDUCAÇÃO - 15/05/2025

Mercado de jalecos: Mais da metade dos cursos de Medicina na Bahia tem desempenho abaixo do esperado no MEC

Mercado de jalecos: Mais da metade dos cursos de Medicina na Bahia tem desempenho abaixo do esperado no MEC

Velhos ditados populares têm sempre uma razão para serem velhos e populares: expõem a realidade, a verdade das coisas. Um deles diz que quase nunca quantidade e qualidade andam juntos. O gráfico da relação entre a explosão de escolas de Medicina e a queda do nível de formação desses novos profissionais é prova viva disso. E a Bahia, um raio-x fiel: das 24 faculdades que participaram do último Enade - prova aplicada pelo Ministério da Educação para avaliar os cursos de ensino superior -, 17 tiveram notas baixas ou medianas.

A régua não perdoa

Nos outdoors e comerciais na televisão, a promessa é realização de sonhos em laboratórios equipados e com professores renomados, mas quando o Enade e outros indicadores de desempenho entram em cena, a régua não perdoa. Apenas a UFBA (Universidade Federal da Bahia/Campus Vitória da Conquista) e a UESB (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia) chegaram à nota máxima.

Outras veteranas particulares, como Unifacs e Zarns (antiga FTC de Medicina), com mais de uma década de estrada, tiraram 2 de um total de 5. Junto a elas, outras três instituições também privadas - Unifas (Lauro de Freitas), Estácio (Alagoinhas), Ages (Jacobina) - também levaram nota vermelha no boletim. Já as medianas, com nota 3, são maioria no estado, 11 ao todo, e também tomadas pelas instituições particulares. Isso porque outras 13 ainda não tiveram turmas concluintes para realizar o Enade.

Boom seguido do caos

O caso baiano é sintomático de um fenômeno nacional que começou com boas intenções para a saúde pública, mas terminou com o mercado se aproveitando de um nicho e impondo mensalidades de até R$ 15 mil.

O boom nacional das faculdades de Medicina foi impulsionado em 2013, com o lançamento do Mais Médicos, que, entre outros objetivos, queria incentivar a abertura de vagas para garantir atendimento de saúde em lugares mais remotos do Brasil. Acabou, na verdade, incentivando um mercado bilionário. Só após o lançamento do Mais Médicos, 28 novas escolas de medicina foram abertas na Bahia, mais do que o triplo das fundações em 200 anos anteriores.

Diagnóstico de mediocridade

Dessas novas faculdades, quase todas (21) são particulares. Não é para menos, afinal esse mercado movimenta cerca de R$ 26,4 bilhões por ano pegando carona no sonho de uma carreira promissora e reconhecida. O problema é quando entregam à sociedade índices de qualidade medíocres e principalmente profissionais com formação precária, dilemas éticos e insegurança disfarçada por uma enxurrada de pedidos de exames.

Médico não é produto... ou é?

Raymundo Paraná, hepatologista e professor da UFBA, não esconde sua preocupação: "Agora temos profissionais mal formados, com pouca resolutividade no sistema, concentrados nas grandes cidades. Algo que começou errado, continua errado e terminará provavelmente errado", avalia.

O presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), Octávio Marambaia, compartilha do diagnóstico crítico. “É muito preocupante um baixo índice dessas faculdades, mas o que nos preocupa, de fato, é que a maioria delas, inclusive as que tiram uma nota um pouco acima, não têm campo de treinamento, não têm corpo docente qualificado e isso resulta em profissionais de baixa qualidade e de baixa capacidade técnico-profissional”.

Para profissionais preocupados com o futuro da educação médica, a entrada de grandes grupos empresariais impõe uma padronização voltada ao lucro, comprometendo a autonomia acadêmica e a qualidade da formação. "São escolas privadas com fins lucrativos e que tratam, de alguma forma, a educação como comércio”, alerta Humberto Lima, coordenador de Medicina da Faculdade Bahiana.

Doses cavalares de capitalismo

Salvador não foge a essa regra e não conseguiu se esquivar também da chegada de redes que impõem modelos focados no lucro. Uneb, Escola Baiana de Medicina, Ufba, Unifacs, Zarns (antiga FTC) e UnidomPedro são as instituições que oferecem o curso na capital. As três últimas são particulares com fins lucrativos e ligadas a grandes grupos.

A UnidomPedro, por exemplo, surgiu com mensalidades de R$ 11 mil em 2020. Quatro anos depois foi comprada por R$ 660 milhões pelo grupo Afya (controlada pela alemã Bertelsmann), que tem expandido seus tentáculos no setor educacional e só no interior da Bahia tem outras três escolas médicas, todas com notas medianas no Enade. A companhia se orgulha em anunciar que tem mais de 23 mil vagas em Medicina no país.

Quem acha que a Unidom é a única que entrou na dança está desatualizado. A FTC agora atende pelo nome Zarns FTC. É administrada pela Clariens, que gere outras três escolas médicas no país, mas tem como fundo investidor um nome de peso: o grupo Mubadala Capital — aquele mesmo que controla a Acelen, dona da Refinaria de Mataripe. Da gasolina ao jaleco, tudo sob o mesmo guarda-chuva árabe. Para completar o mapa, o grupo também comprou a Unesul, em Eunápolis. Há ainda a Unifacs, que foi criada por professores da UFBA, mas depois já rodou na mão de grupos como Laureate e agora, mais recentemente, a Ânima.

Indústria da liminar

Para tentar reverter a explosão de faculdades de Medicina e garantir, de alguma forma, a qualidade do ensino médico, em 2018, o MEC chegou a suspender a criação desses cursos durante cinco anos. Não adiantou. As instituições acharam na Justiça uma aliada e veio então uma avalanche de cursos abertos via liminares. Na Bahia foram seis: Unifamec (Camaçari), Faresi (Conceição do Coité), Unifacemp (Santo Antônio de Jesus), Unex (de Jequié, Vitória da Conquista e de Itabuna).

Outra estratégia que o MEC vai apostar para apertar o controle sobre a qualidade do ensino é a aplicação de uma outra prova, o ENAMED em 2025, além das novas exigências estruturais para a abertura dos cursos. O que preocupa, no entanto, é o atraso dessas respostas e os milhares de médicos com formações medíocres já jogados no mercado. O desafio não é só conter a multiplicação de vagas, mas garantir que cada nova escola cumpra um papel formativo real e ético, contribuindo com a Saúde Pública.

Jornal da Metrópole 

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