Em meio ao aumento de casos e vídeos viralizados nas redes sociais de pessoas levando bonecos hiper-realistas — os chamados “bebês reborn” — a unidades de saúde, parlamentares brasileiros começaram a se mobilizar para regulamentar esse tipo de conduta. O deputado estadual Dr. Diego Castro (PL-BA) é o autor de um projeto de lei que proíbe o atendimento a bebês reborn nas unidades de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de evitar o uso indevido do sistema por pessoas em situações de delírio ou desequilíbrio emocional.
A proposta de Castro não é isolada. Outros parlamentares também se movimentam na mesma direção. Paulo Bilynskyj (PL-SP) e Zé Trovão (PL-SC) apresentaram projetos semelhantes, cada um com diferentes penalidades para quem insistir em levar bonecos para atendimentos públicos. A preocupação comum entre os propositores é a preservação da integridade e do foco das unidades públicas, que devem priorizar pacientes reais.
O texto do projeto de Dr. Diego Castro determina ainda que as unidades públicas de saúde, ao identificarem uma situação como essa, devem orientar o indivíduo sobre a inapropriabilidade da conduta e comunicar o fato às autoridades competentes para registro. A justificativa aponta que o atendimento a bonecos representa um risco de tumulto e compromete a atenção de profissionais já sobrecarregados, especialmente em contextos de emergência.
"Imagine uma sala de espera de um posto de saúde superlotado. Médicos e enfermeiros lidando com casos graves. E alguém exige atendimento para um boneco. Isso é um desperdício e um desrespeito com quem está sofrendo de verdade", afirmou um dos autores.
Além da saúde, o projeto propõe que a proibição também se estenda a outras áreas da administração pública, como transporte, educação, segurança e defesa civil.
Entre o afeto simbólico e a desconexão com a realidade
A proposta incrementa o debate sobre o limite entre o uso simbólico dos bebês reborn e o descontrole emocional. Embora muitas pessoas utilizem os bonecos como ferramenta terapêutica — por exemplo, no luto materno ou para lidar com a infertilidade — o problema começa quando a fantasia ultrapassa os limites da realidade, e o boneco passa a ser tratado como um filho de verdade, com “direitos” que não cabem a um objeto inanimado.
“Uma pessoa que leva um boneco a uma unidade médica pode estar em sofrimento mental, e não deve ser apenas repreendida, mas encaminhada a um serviço de saúde mental para avaliação”, explica a psicóloga clínica Fabiana Medeiros. “Essa conduta pode indicar um transtorno dissociativo ou delírio. O Estado deve acolher, não punir automaticamente.”
O tema também repercutiu nas redes sociais e em programas de rádio e TV, com muitas opiniões divididas. Durante o programa Morning Show da Jovem Pan
“Cada um com suas paixões e neuroses, tudo bem. Mas há crianças reais precisando de adoção, animais abandonados, idosos em asilos. Um boneco não rende nada. É só fantasia. E serviço público não é lugar de brincadeira”, disse uma apresentadora.
De fato, os bebês reborn impressionam pela semelhança com recém-nascidos reais. Esculpidos em silicone ou vinil, custam de R$ 500 a mais de R$ 2 mil, e são tratados por algumas pessoas como filhos — com registro fictício de nascimento, festinhas de “mêsversário”, consultas médicas simuladas e presença em ambientes públicos como se fossem reais.
Um problema de saúde mental ou um novo tipo de escapismo?
Para a médica de família Larissa Gomes, é importante manter o foco da política pública no que é essencial. “Não é sobre julgar quem tem um boneco ou gosta disso. O ponto é: saúde pública é para pessoas. Se alguém acredita que um boneco está doente, essa pessoa precisa de ajuda, não de um pediatra.”
Especialistas defendem que o debate é legítimo, mas precisa ser sensível. O projeto de lei pode representar um passo para regulamentar o uso racional dos serviços, mas também deve estar vinculado ao fortalecimento da rede de atenção psicossocial, garantindo atendimento digno a quem sofre emocionalmente.