Entre 2011 e 2017, o Brasil teve um aumento de 83% nas notificações gerais de violências sexuais contra crianças e adolescentes, segundo boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde na segunda-feira (25). No período foram notificados 184.524 casos de violência sexual, sendo 58.037 (31,5%) contra crianças e 83.068 (45,0%) contra adolescentes.
A maioria das ocorrências, tanto com crianças quanto com adolescentes, ocorreu dentro de casa e os agressores são pessoas do convívio das vítimas, geralmente familiares. O estudo também mostra que a maioria das violências é praticada mais de uma vez.
Para Itamar Gonçalves da ONG Childhood Brasil, que trabalha para promover o empenho de governos e sociedade civil em combater a violência sexual contra crianças e adolescentes, faltam no Brasil ações de prevenção que trabalhem com temas como o conhecimento do corpo, questões culturais de gênero e em especial as que dizem respeito aos padrões adotados de feminilidade e masculinidade.
O Ministério da Saúde considera violência sexual os casos de assédio, estupro, pornografia infantil e exploração sexual. Dentre as violências sofridas por crianças e adolescentes, o tipo mais notificado foi o estupro (62,0% em crianças e 70,4% em adolescentes).
Pela lei brasileira o estupro é classificado como o ato de “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Segundo o boletim do Ministério da Saúde, a ocorrência do estupro provoca diversas repercussões na saúde física, mental e sexual de crianças e adolescentes, além de aumentar a vulnerabilidade às violências na vida adulta.
Dentre os números, chama atenção a vulnerabilidade dos mais jovens. Entre as crianças, o maior número de casos de violência sexual acontece com crianças entre 1 e 5 anos (51,2%). Já entre os adolescentes, com os jovens entre 10 e 14 anos (67,8%).
Negros e mulheres são maioria entre as vítimas. Tanto entre adolescentes quanto crianças, as vítimas negras tiveram a maior parte das notificações (55,5% e 45,5%, respectivamente). Segundo o Ministério, o resultado pode apontar para vulnerabilidades destes grupos.
Crianças e adolescentes do sexo feminino também são maioria entre as vítimas de violência sexual. Representam 74,2% dentre as crianças e um número ainda maior dentre as adolescentes: 92,4%.
Apesar disso, os meninos também sofrem com a violência sexual. Entre as crianças, são eles quem mais sofrem abusos na escola (7,1%). Já entre os adolescentes, os meninos são mais explorados sexualmente e são a maioria das vítimas de pornografia infantil.
O estudo mostra que os homens são os principais autores de violência sexual tanto contra crianças quanto com adolescentes. Nos casos envolvendo adolescentes, em 92,4% das notificações o agressor era do sexo masculino. Nos casos envolvendo crianças, em 81,6%.
Segundo o boletim do Ministério da Saúde, é necessário problematizar a situação, já que a violência pode ser reflexo de uma cultura do machismo.
"Considerando que esse maior envolvimento como perpetradores das violências sexuais contra estes grupos pode ser reflexo da afirmação de uma identidade masculina hegemônica, marcada pelo uso da força, provas de virilidade e exercício de poder sobre outros corpos. Dessa forma, é relevante a promoção de novas formas de masculinidades que superem esse padrão e permitam a manifestação de diversas identidades possíveis", diz a análise.
Gonçalves também lembra que no Brasil o padrão de socialização dos meninos ainda se dá pela violência, onde é reforçado o uso da força.
Apesar do aumento de 83% das notificações de casos entre 2011 e 2017, o Ministério da Saúde ainda acredita que muitos casos não são notificados.
Isso acontece porque o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (Viva), desenvolvido pelo próprio ministério, ainda não foi implementado em todo o país. Desde 2011, a notificação de violências passou a ser compulsória para todos os serviços de saúde públicos e privados.
Em 2014, os casos de violência sexual passaram a ter que ser imediatamente notificados, devendo ser comunicados à Secretaria Municipal de Saúde em até 24 horas após o atendimento da vítima.
Outra ação obrigatória é a comunicação de qualquer tipo de violência contra crianças e adolescentes ao Conselho Tutelar, conforme preconiza o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
As regiões do Brasil que registraram o maior volume de notificações no período foram as regiões Sudeste (40,4%) e Sul (21,7%), para as crianças, e Sudeste (32,1%) e Norte (21,9%) para os adolescentes.
Mudar este cenário exige esforço de governos e sociedade civil. Gonçalves lembra ainda do papel da educação sexual nas escolas, que poderiam ensinar a diferença de toques, que os corpos das criança e adolescentes pertencem a eles e ninguém tem o direito de tocar sua partes privadas e explicar o que é abuso sexual.
Pais também podem ficar atentos a alguns sinais, já que crianças e adolescentes avisam de diversas maneiras e, segundo Gonçalves, na maioria das vezes não falam das situações de violência sexual que vem passando.
"Em geral, o abusador convence a criança de que ela será desacreditada se revelar algo; que ela gosta daquilo e quer que aconteça; ou que é igualmente responsável pelo abuso e será punida por isso."
Childhood Brasil listou 10 sinais que ajudam a identificar possíveis casos de abuso sexual infanto-juvenil.