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SAÚDE - 15/07/2018

O estigma enfrentado nas periferias pelas pessoas com depressão

O estigma enfrentado nas periferias pelas pessoas com depressão

uando Andressa Duvique, de 21 anos, moradora de Guaianases, zona leste da capital paulista, confessou a uma conhecida da sua igreja que estava com depressão, ouviu da mulher que a doença era uma questão de fé. "Ela perguntou pra mim 'Ah, mas você está orando?', como se isso fosse um problema espiritual, mas isso é um problema emocional. Por isso falam que é frescura", conta a jovem evangélica.

A depressão afeta 11,5 milhões de brasileiros (ou quase 6% da população), segundo dados de 2015 da Organização Mundial da Saúde (OMS). Andressa encontrou ajuda para lidar com a doença em sessões de terapia gratuitas, oferecidas por uma psicóloga. "Depois que descobri que não tinha passado no vestibular, por bem pouco, as coisas pioraram e eu vi que precisava de ajuda. No princípio, foi por causa de vestibular, mas depois fazendo terapia eu descobri que era uma questão emocional minha, que eu precisava cuidar", diz.

Existem poucos estudos nacionais relacionando depressão e classe social. De acordo com uma pesquisa do Ibope, realizada sob encomenda da Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), de dez anos atrás, as classes C e D são as mais vulneráveis à depressão – a pesquisa identificou sintomas depressivos em 25% das pessoas desse estrato social, contra 15% das classes A e B.

Essa conclusão é amparada por dados americanos que apontam que pessoas vivendo na pobreza têm o dobro de chances de estarem deprimidas. Esses dados ainda fazem sentido hoje? Teng Chei Tung, psiquiatra membro do Conselho Científico da Abrata, acredita que "as pessoas pobres sofrem mais com a depressão, pelo menos por causa da falta de acesso a tratamentos adequados".

Para Teng, dados mais recentes a respeito seriam "importantíssimos para buscar políticas públicas mais efetivas (no combate à depressão)".

'Você está aplaudindo, eu estou me matando'

Em 2017, o rapper baiano Diogo Moncorvo, o Baco Exu do Blues, tinha tudo para estar vivendo o melhor momento de sua vida. O músico acumulava milhões de visualizações em seus clipes no YouTube. Seu álbum, Esú, foi elogiado pela crítica e lançou os holofotes para o rap criado fora do eixo Rio-São Paulo.

Mas uma das faixas do álbum já mostrava que Baco estava sofrendo. "O álcool está me matando/Minha raiva está me matando/Sua expectativa em mim está me matando/Homem não chora/Foda-se, eu tô chorando!/ (...) /Isso é um pedido de socorro/Você está aplaudindo/Eu tô me matando".

Baco estava com depressão.

Rapper Baco falou sobre a depressão em sua música: 'Isso é um pedido de socorro / Você está aplaudindo / Eu tô me matando' (Foto: Carol Rocha/Agência Énois)Rapper Baco falou sobre a depressão em sua música: 'Isso é um pedido de socorro / Você está aplaudindo / Eu tô me matando' (Foto: Carol Rocha/Agência Énois)

Rapper Baco falou sobre a depressão em sua música: 'Isso é um pedido de socorro / Você está aplaudindo / Eu tô me matando' (Foto: Carol Rocha/Agência Énois)

"Eu acho que o negro, rico ou periférico, é condicionado à depressão devido à história de vida dele sabe? Porque ele sempre é deixado de lado, sofre preconceito. Isso tudo abala o seu bem-estar, sua autoconfiança, suas vontades. Se você deixar isso te afetar, você entra numa psicose maluca e não consegue sair dela", afirma o rapper Baco, que mora em Salvador e cujo público, na Bahia, é composto principalmente por jovens de periferia.

Em sua tese de mestrado, defendida na Universidade Estadual de Feira de Santana (BA), a pesquisadora americana Jenny Rose Smolen propõe uma revisão na relação entre raça e transtornos mentais no Brasil.

Analisando 14 pesquisas sobre transtornos mentais, ela chegou à conclusão de que não brancos têm mais tendência a sofrer com doenças como depressão. Segundo Smolen, esse problema não está ligado a fatores genéticos.

Uma pista para explicar a questão pode ser encontrada em outro estudo, da Universidade do Texas, que, analisando pessoas negras dos EUA, concluiu que sofrer discriminação diária impacta na saúde mental das pessoas.

Existe também o impacto bioquímico, diz a especialista em psicologia social e escritora Gabriela Moura.

"Quando você se vê diante de um perigo, o seu nível de cortisol aumenta. Só que o nosso corpo foi feito para que isso aconteça num período de cinco, dez minutos, que é o tempo de você entrar em estado de alerta e fugir do perigo. Em uma situação de preconceito, de violência social, a gente se vê nessa situação o tempo todo, então, o indivíduo passa 24 horas em estado de alerta, não sabendo se ele vai ser bem recebido, não sabendo se ele vai sofrer violência policial, violência urbana, e isso a médio ou longo prazo causa uma extrema fadiga no corpo e na mente."

Para completar, há indicativos de que negros tenham acesso mais restrito a tratamentos médicos e a planos de saúde privados, o que força a maioria a recorrer ao sistema público.

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada em 2015 e abrangendo os setores público e privado, 74,8% dos brancos tinham consultado um médico nos últimos 12 meses, contra 69,5% dos pretos e 67,8% dos pardos. Só 21,6% dos pretos e 18,7% dos pardos tinham plano de saúde, contra 37,9% dos brancos.

Resta à imensa maioria o atendimento gratuito do SUS.

"A periferia está exposta a uma vulnerabilidade social, né? Devido a todo um histórico de escravidão, de uma dificuldade maior (em relação) às possibilidades de estudo, de trabalho formal, de violência policial, isso está presente", diz à reportagem um psicólogo de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), localizada na periferia de São Paulo, que pediu anonimato. "Até nos equipamentos de saúde, às vezes, existe uma dificuldade de encontrar um acolhimento, um reconhecimento na questão do racismo."

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